sexta-feira, 25 de março de 2011

Uni-vos!

Dividi em três partes,  dado que ficou  grande.
Parte 1
Era sábado, ainda não tinha ido ao centro de Lisboa depois de praticamente duas semanas por aqui. O plano quando me deitei era acordar cedo e ficar andando pelo centro, conhecendo os monumentos históricos da cidade, sem muito rumo na vida. Como todo bom plano – flexível – logo no primeiro passo já foi alterado: não acordei cedo. Até pensei em desistir, mas como bom brasileiro (não desiste nunca), olhei os horários do comboio e parti para a estação.
Alguma coisa estranha no ar. O comboio estava marcado para 14:59h, cheguei à estação às 14:47h e já eram 15:05h e nada do comboio. A estação ficando cheia, para os padrões portugueses, e começo a observar uma certa insatisfação no ar. As pessoas daqui enlouqueceriam no Brasil – pensei. Eles não toleram 5 minutos de atraso. Olho para o cidadão ao meu lado e para demonstrar que já estou aculturado, reclamei, achei um absurdo e perguntei para ele o que estava acontecendo. Respondeu-me o óbvio, como sempre: está atrasado. Fiz uma cara de “ora, pois, que coisa triste” e voltei-me para mim.
O trem chegou, cheio, sem sequer um lugar para sentar. As velhinhas em pé, com moleques sentados, que fiquei encarando e olhando para a velhinha para ver se percebiam que deviam se levantar e dar lugar a ela. Sem sucesso. A insatisfação geral continuava. Em cada estação, eles manifestavam seu descontentamento e a cada entrada e saída era sempre uma pequena confusão. Sociologicamente, pensei no grande ditado: ser pobre é fácil, difícil é empobrecer. O trem cheio era o equivalente a empobrecer, todos demonstrando sua indignação com aquela anormalidade, uma vez que estavam acostumados com o comboio tranqüilo. Concluí que, depois que uma nação se acostuma com um determinado nível, baixá-lo é muito mais complicado.
Não descobri porque estava atrasado, mas descobri que haveria uma manifestação da geração “à rasca”, que descobri hoje na Folha de São Paulo a tradução para geração “em apuros”. Não dei muita moral, mas fui lá ver o que é. 
 
Parte 2
Chegando ao centro, dirigi-me à Praça do Comércio. Nem bem pisei os pés na praça, um senhor, falando baixinho, mostrando-me um pacote: “maconha, marijuana, coca da boa”. Assustei, agradeci a oferta e continuei andando. Andei mais uns 7 minutos e, novamente, um outro senhor me oferecendo substâncias ilícitas. Três pensamentos: “tô com cara de maconheiro”, “é pegadinha da polícia” e “o mundo não tem solução”, assim, ao ar livre, quatro da tarde, em uma das principais praças de Lisboa. O lugar é bem bonito, como podem ver abaixo, e tinha um artista de rua de qualidade, tocando um Rock’n Roll à beira do Rio Tejo. Sem rumo que estava, parei um pouco e escutei umas três músicas, vendo o Tejo e sentindo a tristeza que corre por aquelas águas, imaginando como que um cidadão em mil quatrocentos e picos (uma expressão local) teve a brilhante idéia de, em uma caravela, sair no rumo do nada porque imaginava que podia chegar às Índias e poder comprar canela e outras especiarias do lado de lá. Devia realmente ser muito triste comer o pastel de Belém (em Belém) e o pastel de nata (no resto de Portugal) sem canela. Quase gargalhei com esta brilhante conclusão, mas me contive para manter a aparência de sanidade mental e de pessoa culta e intelectual que aprecia a arte da rua à beira do Tejo. Esta imagem me cativou e queria que as pessoas assim me vissem.



Continuei a exploração pelo centro da cidade, parando em um museu que tinha ali do lado, sobre Design. Até registrei no twitter minha primeira impressão: o design dos seres humanos que estavam indo visitar o museu, diretamente saído dos Jetsons. Venci o preconceito e o medo de não ser aceito naquela tribo, uma vez que eu estava vestido como se estivesse indo para o treino de futebol do time da escola, e entrei. Fiquei pensando em como a gente senta nas cadeiras, deita nas camas e não pensa em como alguém parou e fez aquilo. E como fica gente pensando em várias formas de fazer uma cadeira diferente. Não tinha lá a minha cadeira predileta, aquela do bar, de ferro, que se fecha e tem sempre uma marca de alguma cerveja ou refrigerante. Aqui não deve ter porque só quem já utilizou uma destas cadeiras no frio sabe o quão inadequado elas são para este clima.
Saio do museu decidido a comer alguma coisa. No caminho, outra oferta de substâncias ilícitas. Definitivamente, o mundo estava perdido e eu tenho cara de drogado, mas a polícia não estava patrocinando. No máximo, uma omissão. Comi um wafle com chocolate em uma padaria tipicamente portuguesa, destas que vemos muitas no Brasil e poucas em Brasília. Wafle mais bonito que gostoso. Dei uma mordida e fiquei com vontade de somente olhar. Comer iria estragar a imagem que eu tinha do wafle. Comi, prefiro a verdade.
Saio em busca da manifestação, para entender o que ocorre e protestar um pouco, afinal, como dizia Raul Seixas, todo mundo tem que reclamar. Fui conhecendo os lugares, o Armazém do Chiado, um café chamado “A brasileira”, que tem uma estátua do Fernando Pessoa, e chego numa praça, onde vejo três ônibus da Polícia. A manifestação deve ser aqui e, pelo tanto de policial, tomara que seja pacífica. Descobri que ali seria o final da manifestação, mas como o número de pessoas superou – e muito – as expectativas, a maioria estava na Praça do Rossio, que era maior. Fiquei ali mesmo, buscando descobrir onde estavam vendendo a cerveja que as pessoas estavam tomando. Encontrei e sentei-me, observando o movimento. Estava ao meu lado um manifestante, que me explicou o que estava acontecendo, que havia sido convocada pelo Facebook, que tinham mais de 200 mil pessoas e que estavam protestando contra a atual situação de Portugal – desemprego e precariedade dos empregos e baixos salários. Perguntei se propunham algo, disse-me que não, estavam externalizando a insatisfação. Disse-me que no Brasil, um tempo atrás, um presidente havia confiscado todas as poupanças e, excluindo aqueles que se mataram, todos acharam normal.
Com a chuva, todos se dispersaram e entrei em um boteco que havia perto da praça – bar lotado e dono feliz com os protestos. Eu, feliz com a Sagres a 1 euro.

Parte 3
Esperei a chuva passar sem pressa. Estava confortável com o cotovelo no balcão, observando a gente que passava e tentando aprender alguma coisa do português que falavam, tentando associar o nome às comidas que serviam. A chuva passou, saí em direção à Praça do Rossio, para ver se havia sobrado gente da manifestação por lá.
Sempre sobram alguns malucos e desta vez não foi diferente. Havia umas 10 pessoas, com grande diversidade, em torno de uma dessas Vans que no Brasil são carrinhos de cachorro quente, com garrafões de vinho e um som que não se podia ouvir direito. Malucos de todos os jeitos, hippies dos anos 60, Bobs Marleys, moradores de rua, todos celebrando o poder do povo. Fiquei ali, observando o movimento com cara de cachorro que caiu da mudança, sem fazer nada.
Puxo conversa com um cidadão conhecedor dos seus direitos sobre a qualidade do vinho que bebiam e como seria possível ter acesso à iguaria. Disse-me que estava acabando, mas ofereceu um gole de seu copo, pois o frio e a garoa estavam castigando um pouco. Vi que o movimento já estava acabando, já era por volta de 20h, e percebi que as coisas em Lisboa têm fim, diferente de mim. Desligaram o som, uma vez que sem vinho, não faz muito sentido continuar aquele protesto e começaram a dispersar. “Vou jantar”, pensei, e já estava saindo quando escuto uma voz cantando,  junto com o som que saía de um celular: “Antes, aqueles morros não tinham nome”, samba de Bezerra da Silva, muito conhecido meu. Virei-me e vi um cidadão muito parecido com o Varejão, jogador de basquete, mas bem mais baixo, e respondi: “foi pra lá o elemento homem”. E em uníssono “fazendo barraco batuque e peguinha, nasceu são pedro são carlos e cachoeirinha”.
Comoção geral entre os seis malucos – eu incluído – que ali restavam. Todos cantando, em torno de um  celular que quase não se ouvia, em círculo, o samba de Bezerra, na garoa. A este samba seguiram-se outros mais, quase todos do celular, e mais alguns raps e funks não pornográficos. As pessoas, em sua maioria, eram portugueses. O mais figura, no entanto, era – adivinhem? Mineiro. Destacava-se entre os loucos. Dissertou-me sobre o universo e sobre a transcendência mundial dos valores da paz. Explicou-me sobre a psicologia humana e sobre a crise econômica mundial provocada pelos subprimes. Clarificou-me conceitos relacionados a toda a interligação da humanidade e a teoria do caos e como a física quântica influenciava nos processos. Isso tudo, em uma única frase. A única coisa que entendi foi que tinha um irmão que morava ali em Portugal também, que era punk e que iria me apresentar. E que isso era uma honra, um sinal de deferência à minha pessoa, pois não era a qualquer que ele dava a confiança de conhecer o irmão. E mais que isso, o irmão punk não era de muitos amigos, mas as pessoas que eram apresentadas por ele, automaticamente eram aceitos pelo irmão.
Fomos em direção ao irmão e sua turma, que estavam ali perto. Estavam sentados na calçada, escondendo da chuva, o irmão – um tipo punk tradicional, ou seja, corte de cabelos estilo porco espinho, tatuagens e piercings por todo lado, uma mulher que parecia ser a mulher ou namorada dele e um cachorro – um labrador preto muito bonito. Em volta, outras pessoas, conversando sobre tudo e nada. Apresentou-me o irmão, que fez uma deferência e voltou a fazer o que fazia antes. Eu, voltei a escutar o mineiro, que agora já estava explicando o funcionamento das placas tectônicas associada com a migração das andorinhas no verão. Despedi-me e fui jantar, ainda sem entender o que tinha acontecido, como anda o mundo e o que será o futuro da geração à rasca.

2 comentários:

  1. "percebi que as coisas em Lisboa têm fim".

    não irei.

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  2. Eita Caconde! Solta a verve literária meu filho, ganhou um leitor hoje! Ab., Bachur

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