segunda-feira, 2 de maio de 2011

Fica sempre um pouco de perfume

O perfume

Na ida para Madrid não sei por que motivo a segurança do aeroporto de Lisboa estava reforçada e eles estavam verificando com rigor a presença de líquidos na bagagem de mão. Por míseros 25ml, disseram-me que meu perfume não iria embarcar. Argumentei que o frasco não estava cheio e que, de líquido efetivo havia muito menos que 100ml. Em vão. Cheguei a pensar em novas linhas de argumentação, dizer que aquele perfume não representava uma ameaça à paz na Europa, que havia muito sentimento ali, que grandes momentos de minha vida pregressa tinham tido, ao fundo, aquele cheiro, e começar a chorar copiosamente, mas o português e toda a fila de portugueses atrás de mim fizeram-me admitir que este não era o caminho.

Desconhecedor que era dos frascos de perfume que tinham algum pedigree, fui atrás da segunda alternativa: obter um frasco de 100ml e despejar o precioso líquido nele e embarcar rumo a Madrid. Não encontrava e mais uma vez senti falta do empreendedorismo de necessidade vigente no Brasil. Certamente eu não seria o primeiro a passar por este tipo de situação. Encontrei em uma farmácia, naquele preço de aeroporto (por que a eles não se aplica o mandamento divino do "não roubarás"?). Comprei e lá fui fazer a transferência. E rosqueia daqui, rosqueia de lá, e nada. Uso a força. Nada. Óbvio, se você fosse o fabricante de um perfume, para que você iria facilitar a vida daqueles que quisessem colocar outros líquidos em seu frasco? Para incentivar a falsificação? Desprovido de ferramentas adequadas e de tempo, eu jamais abriria aquele frasco. Juro, mas nego, que passou pela minha cabeça borrifar 70ml de perfume no recipiente dentro das normas internacionais recém adquirido. Com um cálculo rápido, vi que levaria 8! (exponencial) horas.

Perdi, pensei. Vou doar para alguém, mas não posso facilitar. Fui ao banheiro e posicionei o perfume em baixo da privada, na maneira mais escondida possível. Na volta, se alguém tiver encontrado, provavelmente será um trabalhador da limpeza ou algum paranóico que tem certeza que há bombas embaixo de todas privadas. Neste caso, meu perfume seria detonado. Se ninguém encontrar, passo na volta e pego.

Fui a Madrid, conformado. Rasgar dinheiro estava sendo minha especialidade até então. Detalhe: esqueci de passar na volta e verificar, pois saí correndo para conseguir ver o segundo tempo do jogo do Real Madrid, na liga dos campeões. Este dia era uma Terça-feira.

Na sexta, fui ao aeroporto para ir para Zurique. Apenas para me certificar, fui ao banheiro onde havia deixado o perfume. Sinto um cheiro agradável, diferente. Não é possível, será? Inacreditavelmente, estava lá. Usei minha grande bagagem da língua espanhol, quando me apercebi que não poderia levá-ló a Zurique, pelo mesmo motivo que ele não foi a Madrid: la puta madre!

A esperança de ser uma pessoa cheirosa novamente estava de volta. Será que tento embarcar? Ou arrisco deixar mais um fim de semana? Mudo de cabine? Mudo de banheiro? A probabilidade de alguém encontrar é cada vez maior quanto mais o tempo passa. Lembrei-me de aí quando jogo baralho, caxeta (pif-paf), sempre que mudava a carta do bate, eu perdia. Lembrei-me também do contrário, de todas as vezes que não mudei o jogo e a carta que seria a da batida se eu tivesse mudado o jogo aparece no monte na rodada seguinte. Resolvi não mudar o jogo e deixei exatamente onde estava.

Segunda-feira, lá vou eu ao banheiro, olho no lugar do perfume e a única coisa que encontro é um bilhete: "Foi um prazer servi-lo, meu querido. Aquele abraço, Murphy".

Um comentário:

  1. O perfume nem devia ser tão bom assim, afinal, o ditado é claro: nos menores frascos estão os melhores perfumes.

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