segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Opinião x Fato

Já tem um tempo que a forma com que os grandes jornais noticiam as coisas têm me irritado. Eles exigem de mim uma leitura muito atenta para não cair nas suas armadilhas e diferenciar a notícia da opinião, que cada dia está mais misturado. É como se todos os jornais estivessem armando ciladas e quando você menos espera, está pensando exatamente como eles, de maneira automática sem qualquer reflexão. Transformamo-nos em papagaios, sem menosprezar a inteligência destas aves.

Senti isso na reportagem abaixo, da Folha de São Paulo, sobre a estratégia de comunicação da presidenta Dilma.


Por agenda positiva, Dilma privilegia rádios regionais

Presidente muda estratégia de comunicação e escapa de perguntas sobre crise

Tempo para emissoras foi 10 vezes o da grande imprensa; "Passaram para nós que seria melhor usar as questões positivas", diz radialista


BERNARDO MELLO FRANCO
DE SÃO PAULO

Em meio à sucessão de escândalos em Brasília, a presidente Dilma Rousseff mudou sua política de comunicação para tentar impor uma agenda positiva ao governo.
Desde o início de julho, ela reservou duas horas e 52 minutos a entrevistas para rádios regionais, nas quais driblou a crise para fazer propaganda e prometer obras e benefícios sociais aos ouvintes.
Isso equivale a dez vezes o tempo que dedicou no mesmo período para atender à imprensa diante de gravadores: apenas 17 minutos, fatiados em cinco ocasiões.
O tom chapa-branca das falas no rádio segue orientação do Planalto, que escolhe as emissoras, empresta equipamentos e pede aos entrevistadores que só perguntem sobre temas da região.
"Passaram para nós que seria melhor usar as questões positivas. Dizer o que pode ser feito, e não o que nunca foi feito no Estado", contou o radialista Sérgio Gomes, que entrevistou Dilma pela Caiari AM de Porto Velho (RO).
Ele passou 21 minutos com a presidente na véspera da queda do ministro Alfredo Nascimento (Transportes), mas disse não ter tratado das suspeitas de corrupção na pasta por "falta de tempo".
Naquele dia, Dilma participou de dois atos públicos e não quis falar com os jornalistas de veículos nacionais.
Para Gomes, a Caiari foi premiada por transmitir programas oficiais como o "Café com a Presidenta", às segundas-feiras. "A gente se aproximou do governo na época do Lula. Eles sabiam que podiam confiar na gente."
A experiência agradou e já foi repetida cinco vezes, em Alagoas, Ceará, Pernambuco, Paraná e no interior paulista. As rádios pequenas haviam sido ignoradas nos primeiros seis meses do governo Dilma.

ESTRATÉGIA
Quando a crise nos Transportes estourou, o ex-presidente Lula e outros aliados orientaram Dilma a mudar a política de comunicação e a lançar uma agenda positiva, com mais viagens pelo país.
No entanto, a Secom (Secretaria de Comunicação Social) nega que a estratégia vise driblar as denúncias e poupar a presidente de perguntas incômodas.
A transcrição das entrevistas evidencia o conforto da presidente nas rádios.
"É um prazer estar aqui com a senhora, e é bom a gente deixar claro que não é uma entrevista aqui. É uma conversa, é um bate-papo, não é? Tanto é que tem água aqui, tem café à vontade", disse Luiz Carlos Martins, da Banda B AM de Curitiba (PR).
"É muito bom que seja uma conversa entre nós porque a gente esclarece melhor, né?", respondeu Dilma.
Pouco depois, o radialista anunciou uma pergunta "que muita gente gostaria de fazer": "A sra. está feliz?"
"Quando eu lancei, por exemplo, o programa Brasil Sem Miséria, eu fiquei muito feliz", respondeu ela.
O "bate-papo" ocorreu em 12 de julho, seis dias depois da demissão de Nascimento, cuja pasta foi alvo de acusações de corrupção. Dilma não havia falado sobre o caso e assim permaneceu.
Martins disse à Folha não ter recebido ordem da Presidência para evitar a crise. "Meu jornalismo é popular. Não estou preocupado com esse tipo de assunto."
Duas semanas depois, em Maceió, um radialista da Gazeta -que pertence ao senador aliado Fernando Collor (PTB-AL)- pediu uma mensagem à "mulher alagoana".
"Eu acho que a mulher alagoana tem uma característica que é da mulher brasileira: é uma guerreira", devolveu Dilma. A entrevista ignorou as suspeitas de corrupção no Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), tema dos jornais daquele dia.
Há dez dias, em São José do Rio Preto (SP), ela respondeu a perguntas da Metrópole AM sobre futebol. A queda do ministro Wagner Rossi (Agricultura), dois dias antes, não foi comentada.
Em julho, a presidente recebeu repórteres de quatro jornais, incluindo a Folha. Porém, eles não puderam tirar fotos ou gravar as declarações da presidente. Ainda deu entrevista à revista "CartaCapital", mas a Secom não divulgou sua íntegra, como costuma fazer.
Em oito meses de governo, Dilma não deu nenhuma entrevista coletiva tradicional, aberta a toda a imprensa.
FIM.

Buscando exercitar minha veia jornalística, busquei reescrever a reportagem de um jeito que ficasse claro para o leitor o que é notícia e o que é opinião. E ao leitor cabe decidir qual é a sua opinião própria.


Dilma dedica mais tempo às rádios regionais que à grande imprensa

Desde o início de julho de 2011, Dilma dedicou 2 horas e 52 minutos a rádios regionais enquanto dedicou apenas 17 minutos à grande imprensa (Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo, Veja, IstoÉ, Redes de TV), isso apenas em entrevistas com gravadores, sem contabilizar as outras ações de comunicação do governo.

Os veículos da grande imprensa, este jornal inclusive, acredita que esta ênfase maior nos veículos menores seja uma estratégia para fugir de perguntas incômodas ao governo, notadamente aquelas relacionadas com os recentes acontecimentos, como a demissão de dois ministros por suspeitas de corrupção. Reforça este argumento o fato de que nenhuma das entrevistas tocaram nestes pontos - suspeitas de corrupção - considerados pela grande imprensa, este jornal incluído, como o fato mais importante da atualidade. Além disso, fontes confirmaram que o ex-presidente Lula recomendou que a presidenta começasse a viajar pelo país e colocasse uma agenda positiva.

Um radialista ouvido pelo jornal afirma que a assessoria do Planalto solicitou que fossem abordados apenas temas locais, reforçando a visão deste jornal. Outro ouvido, afirmou que não recebeu nenhuma orientação, mas que ele não se interessa por estes assuntos, preferindo abordar outros em seu tempo com a presidenta.

O governo, ouvido pela Folha, afirma que as rádios locais permitem chegar a um público que está mais afastado e que o governo tem mais o que dizer para além dos fatos relacionados à queda dos ministros. Além disso, afirma que é natural procurar as rádios locais, órgãos de comunicação tão legítimos quanto à grande imprensa.

2 comentários:

  1. Bem, gostaria de expressar agora o meu ponto! :)

    O que eu acho é que, por mais que se busque um jornalismo isento em qualquer veículo de comunicação, em qualquer lugar do mundo, isso é impossível. Na verdade, por mais que você tente se ater aos fatos, você vai procurar sempre os fatos que interessam ao seu posicionamento. Recheando a notícia de fatos que reforcem o seu ponto de vista, invariavelmente sua notícia tende a convencer as pessoas daquilo que pensa o jornalista.

    Hoje, considera-se a revista Veja, o Estadão, a Folha ou o/a Globo como imprensa de direita, que bombardeia o governo de críticas infinitamente mais do que ressalta os pontos positivos - ou seja, é tendencioso. Porém, se você pegar veículos considerados de esquerda, como a revista Carta Capital ou os blogs do Paulo Henrique Amorim, do Luis Nassif ou o Viomundo, eles fornecerão uma visão igualmente tendenciosa - o governo do PT não tem praticamente nenhum defeito e qualquer notícia contrária ao governo é literalmente intriga da oposição.

    Por exemplo, na sua versão da notícia, o governo considera que as rádios locais permitem chegar a um público que está mais afastado. É fato e é ponto positivo para o governo. Porém, o ponto de vista da Folha é que a grande imprensa chega a mais gente dada ao seu grande alcance nacional. É também fato e um ponto negativo para o governo. A opinião está embutida aí, mesmo sendo baseada em fatos.

    Pra mim, o melhor do jornalismo está em ter múltiplos meios de comunicação, cada um com o seu ponto de vista. Infelizmente, a maioria das pessoas se atém ao que vai mais a favor do seu ponto de vista e simplesmente ignora os outros. Além disso, uma grande infelicidade no Brasil, é que os grandes jornais tendem a ter normalmente o mesmo ponto de vista, praticamente marginalizando os outros.

    ResponderExcluir
  2. o início do comentário do samuel é preciso: não existe mídia imparcial. alguns veículos são mais abertos que outros em relação ao seu direcionamento - eu acho que a folha é bem honesta a respeito do que apóia.

    meu problema com a notícia é a inclusão de uma conclusão ["(...) para tentar impor uma agenda positiva ao governo"] no lead, espaço reservado para um resumo objetivo da reportagem. de qualquer forma, é fato que as declarações e dados apresentados no decorrer do texto levariam os leitores - ou boa parte deles - a chegar nesse ponto.

    e só pra terminar exercitando a flauta, algo me diz que tu não vai reescrever uma notícia da carta capital tão cedo ;)

    ResponderExcluir