quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Reprodução de desigualdades em uma sociedade mais igual?

Em recente editorial do jornal Folha de São Paulo, afirma que “beneficiários de planos de saúde chegam a 46,6 milhões, ou um quarto da população. A bonança econômica dos últimos anos e o crescimento do emprego formal, com a consequente oferta de seguro-saúde aos funcionários, ajudam a explicar o fenômeno. Além disso, o serviço deficiente na rede pública estimula a migração para os serviços particulares.”
Se analisarmos a história brasileira, podemos supor que existem duas tendências principais: 1) a massificação levará a uma redução da qualidade do atendimento dos planos de saúde, em média; 2) surgimento de planos de saúde luxo, voltados a um público de renda mais elevada.
O que muda? O extrato superior continua com um acesso superior aos dos andares de baixo, por meio dos planos de luxo; o andar do meio, com um acesso melhor que o andar de baixo. Com uma lupa mais apurada, poderemos observar uma despesa maior com saúde do andar de cima, para manter seu privilégio; aqueles que subiram para o andar do meio, recebem um atendimento de melhor qualidade que no SUS (embora comece a cada vez mais haver dúvidas sobre isso); aqueles que mantiveram-se no andar do meio, observam uma piora no atendimento de seus planos de saúde, pois quando o andar do meio estava mais vazio, o atendimento era melhor; o andar de baixo observa uma melhora no atendimento do SUS.
Estes cenários tendenciais, para que ocorram, dependem: 1) da omissão do Estado (o mercado se auto-regula) ou; 2) de políticas públicas que reforcem este modelo (políticas regulatórias fracas e compartilhamento dos custos dos planos privados, retirando recursos do sistema público, que já ocorre com os abatimentos do Imposto de Renda e compartilhamento de infra-estrutura) ou; 3) do fracasso de políticas públicas regulatórias; da baixa qualidade dos sistemas públicos de saúde.
A questão que fica é: como evitar este cenário e garantir um acesso à saúde de qualidade a todos? Ouso esboçar algumas linhas gerais. A primeira, e mais óbvia, é fortalecer a regulação do mercado de planos de saúde, de modo a assegurar preço e qualidade. Desta maneira, não se trata de mão invisível do mercado, mas de mão visível e pesada do Estado; a segunda é resposta à pergunta: como fazer com que esta quantidade de renda adicional direcionada pelas famílias à saúde gere uma melhora na qualidade do atendimento do sistema público de saúde? Para que haja transbordamento, vislumbro três: 1) assegurar que os planos privados realizem investimentos para elevar a capacidade de atendimento da rede privada; 2) criar mecanismos para que a capacidade adicional de atendimento seja compartilhada com o sistema público (criar um mecanismo estilo ProUni da saúde, por exemplo); 3) não permitir que os planos privados sobrecarreguem o setor público, direcionando atendimentos para a rede pública; 4) reduzir gradualmente os abatimentos de impostos de pessoa física, de modo a direcionar maior parcela deste maior gasto com saúde da família para o sistema público.
Essa discussão pode ser feita na educação básica também, inclusive com maior aprofundamento nos dados. Em meados do século passado, a escola pública era considerada de qualidade, atendendo, no entanto, ínfima parcela da população. Com a universalização do acesso, observou-se uma redução da qualidade, com a ida dos mais abastados para a escola privada.
Com o aumento da renda, observa-se um aumento nas matrículas em em escolas particulares, elevando substancialmente de instituições que oferecem educação, com qualidade cada vez mais duvidosa. O andar de baixo continua na escola pública, o andar do meio na privada, com aqueles que acessaram agora recebendo uma educação de melhor qualidade da que recebia na pública (em muitos casos, ainda insuficiente para gerar um ascensão social); aqueles que estavam no andar do meio acreditam estar recebendo uma educação de pior qualidade; e o andar de cima vai para colégios de elite, de mensalidades caríssimas e com vagas muito disputadas.
São hipóteses que merecem um aprofundamento, mas são bem plausíveis, dada a tendência brasileira de manutenção e reprodução de desigualdades e, quando a desigualdade de renda diminui, quais os mecanismos passam a ser o replicador destas desigualdades. Passaremos a observar no Brasil, com mais frequencia, as formas de distinção observadas nos países desenvolvidos e bem relatada por Pierre Bourdieu em seus estudos sobre a sociedade francesa, entre as classes médias brasileiras?

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