A discussão sobre a carga tributária está frequentemente na agenda dos jornais brasileiros, sempre batendo na tecla de que, no Brasil, tem-se uma elevada carga tributária e recebe-se um serviço público de baixa qualidade. Esta opinião é unânime entre os principais jornais brasileiros e em setores importantes da classe média. O tema voltou à tona esta semana com o discurso do Presidente Lula na Cepal dizendo que, para se ter um Estado forte, é necessário uma carga tributária compatível.
Carlos Alberto Sardenberg, em um artigo nO Globo, "Pagamos como europeus, recebemos como..."
http://www.linearclipping.com.br/mec/detalhe_noticia.asp?cd_sistema=55&codnot=1169964, reforçou este discurso, comparando a carga tributária brasileira à européia, apesar da baixa qualidade dos serviços públicos prestados. Esse é um discurso superficial, sustentado em duas coisas: i) pagar menos imposto é sempre melhor que pagar mais imposto; ii) no Brasil, a saúde, a educação e outros serviços públicos são de baixa qualidade.
Afirma ser uma grande injustiça se pagar tamanho imposto e ainda ter que pagar por outros serviços públicos, como saúde e educação. No entanto, deve-se fazer uma outra pergunta: para quem uma carga tributária menor seria melhor?
A origem desta injustiça está em outra, mais estrutural: as grandes desigualdades de riqueza e renda que ainda persistem no Brasil. Apenas a título de ilustração, imaginemos um mundo hipotético em que: a) o indivíduo só tem direito aos serviço que paga, se não pagar, não recebe; b) os serviços prestados são de boa qualidade; c) 10% da população obtém 74,5% da renda, sobrando para os 90% restantes 35,5%; d) os 35,5% da renda restantes não é distribuído homogeneamente entre os 90%; e) trata-se de um país democrático, com sufrágio universal; e) para ofertar educação, saúde e previdência para todos seria necessário 50% da renda total.
Não é necessário fazer muitas contas para deduzir que, neste país hipotético, uma vez que é necessário 50% da renda total para suprir a necessidade de 100% da população, então 35,5% satisfaz a necessidade de 71% da população. Como 35,5% é a renda de 90% da população, temos que 19% teria algum tipo de insuficiência. Como a renda também é concentrada dentro destes 90%, este percentual é ainda maior.
Se este caso, simplificadamente, descreve, de maneira grosseira, o que ocorre no Brasil, para que todos tenham direitos à educação, saúde, moradia, previdência assegurados, necessariamente você precisa ter um fluxo de recursos saindo dos 10% mais ricos para os 90% restantes de forma a complementar os recursos necessários à garantia destes direitos. Para isso existem os tributos e devido ao fato de a renda ser concentrada, os detentores da renda financiam os serviços públicos daqueles que não a têm.
É um direito ser contra esta carga tributária e querer pagar menos impostos. No entanto, se concordamos com nossa constituição e realmente enxergamos a educação, saúde, moradia, previdência, etc, como direitos de todos, é necessário visualizar que a garantia destes direitos deve ser financiada e a forma de financiar é o tributo, obrigatório, sem opção de escolha, pois esta escolha foi feita no momento em que o constituinte inseriu estes direitos como universais no Brasil. Aliás, mesmo os mais pobres contribuem, muito além de suas possibilidades, inclusive, devido à característica do regime tributário brasileiro, que tributa o consumo, mesmo de bens básicos.
E lembrando: estamos em um regime democrático em um país onde a maioria se encontra no extrato de menor renda e que precisa ter seus direitos financiados. Pode ser que este público tenda a concordar que, uma vez que a renda é concentrada e sobra pouco nas minhas mãos, talvez a carga tributária brasileira não esteja tão elevada assim. Simples e inteligente, embora os meios de comunicação procuram passar a imagem de que estes grupos são massa de manobra.
Não é um exercício fácil colocar-se no lugar daqueles de menor renda, quando sentimos, mensalmente, nosso dinheiro, fruto de nosso trabalho, indo para os cofres públicos. E observarmos, no momento seguinte, (pela televisão, pois não frequentamos este tipo de lugar) filas nos hospitais, crianças sem creche, desempenho medíocre dos estudantes, etc. Tendemos a achar que os nossos impostos são em vão.
Mas o fato é que pagar menos impostos não melhoraria esta situação. Não teríamos uma educação melhor ou uma saúde melhor com menos recursos. Não teríamos um Brasil melhor, para todos os brasileiros, sem o SUS e sem a obrigatoriedade do ensino público. Tampouco, teríamos menos pobreza e miséria se parássemos de financiar a previdência pública do país e retirar de sua lista de beneficiários milhões de brasileiros que trabalharam anos a fio, nas áreas rurais deste país e que, hoje, têm como única fonte de sustento sua aposentadoria.
É necessário avançar e colocar as perguntas corretas: para o tipo de sociedade que queremos, qual a quantidade de recursos públicos necessários? Talvez cheguemos à conclusão que 35,5% é pouco para o tamanho das carências e da concentração de riqueza e renda no país. Basta lembrar que, mesmo com essa carga tributária considera aviltante por setores da sociedade, o piso salarial dos professores no Brasil é de apenas R$ 1.024,00. Reduzindo a carga tributária seria possível aumentar o salário do magistério, por exemplo? Não me parece a forma mais óbvia.
Ao invés de se atacar a carga tributária paga no país com o objetivo de reduzi-la a qualquer custo, o foco deveria ser o como essa carga tributária é gasta. Estas pessoas indignadas com a carga tributária no Brasil poderiam canalizar sua energia para esta discussão, partindo da premissa que os brasileiros mais pobres têm direitos que devem ser assegurados e que o Estado e o fundo público têm um papel central neste processo, inclusive assegurando a paz e integração nacionais.
Isso levaria a se colocar na agenda a questão da eficiência do Estado brasileiro. Trata-se de uma agenda importante, principalmente para aqueles que visam uma sociedade em que os direitos à educação, saúde, moradial, previdência, dentre outros, devam ser assegurados a todos e que não fecham os olhos para o fato de que a garantia destes direitos demanda recursos condizentes com o tamanho desafio. Já dizia o economista: não existe almoço grátis.
Terei de mudar meu discurso...
ResponderExcluirAdorei.