A viagem foi tranqüila. Banco apertado, na fileira do meio. Muitas crianças no avião, parecia que em Portugal estava tendo uma grande promoção de fraldas e de DVDs da galinha pintadinha. 9 horas de vôo, o que é muita coisa. Nestes momentos, sempre nos apegamos ao “podia ser pior” – e neste momento a criatividade funciona: podia ser um vôo com escala na Líbia; alguém poderia vomitar em você; as máscaras de oxigênio poderiam cair automaticamente. Um aparte: observei o quanto era difícil colocar o colete salva-vidas, em caso de queda na água. Ele está dentro de um saco plástico; tem diversas partes para serem amarradas e, no fim, ainda tem que puxar uma cordinha de para-quedas para que ele comece a flutuar. Ainda bem que em caso de queda na água, morreríamos todos na própria queda, porque tenho certeza de que mais da metade já teria afogado antes de abrir o saco plástico do colete. Preocupei-me: seria uma inovação portuguesa ou todos aviões estavam equipados com coletes salva-vidas com 7 passos para o uso?
Neste período da viagem já comecei a perceber que eu não falo português; por outro lado, descobri que falo inglês. Nem bem levantou vôo, já serviram o jantar e duas taças de vinho. Da série “podia ser pior”, ainda seria possível que alguém se embriagasse e resolvesse declarar, por 4 horas seguidas, toda sua amizade pelo companheiro da fila ao lado.
Li um livro até o final (já estava terminando), assisti um filme, comecei assistir várias outras coisas, mas bateu o sono. Isso faltavam 2 horas de vôo apenas. Não havia posição confortável mais e o relógio parou. Um capítulo a parte foi o travesseiro de pescoço, que eu trouxe para usar no vôo. Deve ter gente que goste daquilo, mas para mim, transformou-se em mais um objeto dividindo comigo o pouco espaço a mim reservado. Você coloca no pescoço e fica com o pescoço torto ou fica forçando o pescoço pra trás para conseguir afundar o material desenvolvido pela Nasa, aqui utilizado como travesseiros. Pensei em jogá-lo pela janela. Pela impossibilidade, decidi apenas que ele não retornará ao Brasil. Quem sabe ele arruma emprego em um pescoço melhor. Só era melhor não dizer isso na fronteira, pois o travesseiro não tem visto.
Chegamos. Descemos rapidamente para tentar pegar menos fila. Atendentes mal humorados – até compreensível às 6h da manhã, frio e tomba um caminhão de brasileiros na sua frente. Chega minha vez: “o que vem fazer aqui?”; “participar da edição internacional do Cadapi, no Ina”. Foi-me dito que haveria uma lista com os participantes do curso e estas seriam as palavras mágicas que abririam o portal. “Quanto tempo?”; “Quatro meses.”; “Acompanhe-me, sente-se ali que irão conversar com o senhor”; “Ok.”. Este “podia ser pior”não havia sido pensado, talvez porque ele era mais provável que os outros. Voltar para o Brasil, mais 9 horas de viagem, um prejuízo de alguns milhares de reais, organizar novas festas de retorno, trabalhar.
Já estava sentado lá um outro cidadão, goiano, que não estava muito esperançoso. Tinha conseguido uma mulher na Suíça e estava retornando à Europa. Detalhe que ele já tinha saído de lá de maneira ilegal. Depois chegou mais um rapaz, que teve a infelicidade de perguntar à pessoa que o encaminhou para lá – de longe, o mais mal encarado – se aquele processo demoraria. Recebeu como resposta: “Ah, você tá com pressa??”, tão polidamente quanto uma lixa de aço. E depois chegou uma mulher, que estava praticamente se entregando que estava ali para trabalhar mesmo, sem visto, sem nada. Peguei um livro e comecei a ler e montar na cabeça o discurso.
Fui o primeiro a ser chamado. O agente era gente boa (se não tivesse me deixado entrar, talvez minha opinião fosse outra). Expliquei a ele o que tinha ido fazer ali, onde era o curso. Disse-me que estava com sorte, mostrando-me uma caneta do Instituto Nacional de Administração, onde faria o curso. Não entendi nada, mas estar com sorte é melhor que estar com azar e torci para não ser uma expressão idiomática portuguesa que significava que você está lascado. Mostrei-lhe os documentos que tinha trazido, o Diário Oficial da União com minhas nomeações no serviço público, a autorização para estar em Portugal, o contracheque, os cartões, o dinheiro. Acompanhe-me. Carimba o passaporte deste senhor, por favor. Bem vindo.
Como muito tempo tinha passado, imaginei que já teriam levado a mala. Não, ela estava lá, na esteira, acompanhada de algumas poucas outras – provavelmente os companheiros de malha fina – intacta. Peguei a mala e dirigi-me à saída. Não vi loja nenhuma, não vi nada. Não entendi o free shop português. Mas tudo bem, queria chegar logo. Tomei um café e um pastel de nata – já tinha descoberto que o pastel de Belém só é assim conhecido em Belém. Lembrei-me imediatamente da piada das “galinhas de angola”, que em angola são conhecidas como “galinhas”. Vou ter que ir a Belém para descobrir como chamam o pastel por lá.
Já tinha tido perrengue suficiente. Peguei um táxi pré-pago para Oeiras, sabendo que pagaria mais caro. Nada como ser roubado conscientemente. O sofrimento é achar que está sendo roubado e não saber. De qualquer forma, não era tão caro assim: 38 euros, até a porta do prédio. O carro era um Mercedez, com um senhor de motorista, de terno. Passei pelo estádio do Sporting e do Benfica, mas o motorista não acompanha muito futebol, não podendo me informar sobre os jogos. Ele não sabia onde era. A única informação que tínhamos era a que eu lembrava do Google Maps. Fomos parando, perguntando, chegamos à rua. E depois descobri o prédio (nada trivial, cada prédio tem três números, lotes), com a ajuda da Divina, uma goiana que trabalhava em um dos prédios.
É um apartamento antigo, com um 4 quartos (acho), habitado apenas pela D. Arminda e hóspedes, quando ela aluga os quartos. Além de mim, outras duas pessoas ficarão hospedadas, também do curso. Tem também a Dora, que tem parentes em Lisboa e está procurando emprego, da Bahia, mas já com um sotaque de português. Um quarto simples, com cama e armário. Chuveiro igual àqueles velhos que são dentro da banheira, a gás. Ontem, gelou de uma vez no meio do banho, nada agradável.
Fiquei andando o resto do dia. Fui ao shopping conseguir internet e telefone, almoçar um bacalhau. E só.
Longos dias que passam rápido... ;)
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